Foi criado no final de dezembro do ano passado um grupo de trabalho na Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), que vai elaborar uma estratégia de atuação do governo e da sociedade civil para reduzir as perdas e desperdício de alimentos. São consideradas perdas, aquelas que ocorrem desde o pré-plantio até o ponto de venda. E o desperdício ocorre por conta do consumidor, desde a conservação inadequada até a compra e quantidade de preparo em excesso.
O Comitê Técnico 14 vai propor ações sobre o tema e estabelecer diretrizes para a elaboração de um diagnóstico de perdas e desperdício de alimentos no Brasil. Tudo o que se tem desses números hoje são estimativas, até porque não há uma metodologia padrão que sirva para balizar esse levantamento, informa o pesquisador Murillo Freire Júnior, da área de pós-colheita da Embrapa. Freire Júnior representa a Embrapa no comitê da Caisan e é o representante brasileiro no comitê de peritos da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) para a América Latina e Caribe nesse assunto. A estimativa da FAO é de que o mundo desperdiça um terço dos alimentos.
Para ampliar e dar agilidade a esse debate, foi criada a Save Food Brasil, uma rede que está sendo montada com a participação de ONGs e instituições públicas e privadas. “Criamos um fórum para estudar e levar esse assunto a outros parceiros”, diz. A iniciativa tem o apoio da FAO América latina e Caribe e da FAO Brasil, e o objetivo é criar uma rede ativa e integrada para subsidiar políticas públicas de prevenção e combate de perdas.
DESPERDÍCIO É GRANDE EM CONSUMO
Pelos dados da FAO, na América Latina, 28% das perdas e desperdícios ocorrem na produção, 22% no manuseio e armazenamento, 17% na distribuição e comercialização, 6% no processamento e 27% no consumo. Países com melhor infraestrutura como os da Europa e os Estados Unidos desperdiçam mais do que perdem. O Brasil perde mais do que desperdiça por não ter infraestrutura adequada. E não tem avançado nessa questão nos últimos anos, avalia o pesquisador.
A lista de gargalos a serem superados é extensa. Entre os quais Freire Júnior cita o desconhecimento de técnicos na escolha de variedade e local de plantio adequado, erro no preparo do solo, presença de pragas e doença, falta de cuidado no manuseio com os alimentos, estradas com problemas, falta de um sistema modular de transporte que integre trens, portos, aeroportos e rodovias, deficiência na cadeia do frio.
Em mercados mais desenvolvidos, diz, os caminhões são especializados, com suspensão a ar, os terminais rodoviários, ferroviários, de portos e aeroportos são integrados e possuem estacionamentos com pontos de apoio, que permitem manter o caminhão refrigerado mesmo parado, caso não queiram utilizar o próprio compressor.
QUALIFICAR MÃO DE OBRA
Mas o especialista considera que, atualmente, o maior problema é a falta de pessoal habilitado, sendo necessário treinar a mão de obra que trabalha com alimentos, da colheita ao ponto de venda. Muitas vezes os produtos são jogados nas caixas, as caixas são cheias acima da capacidade amassando os alimentos quando são empilhadas. Para Freire Júnior, essa cultura de achar que o Brasil tem muito produto traz uma série de prejuízos: reduz a disponibilidade de alimentos, gera perda de receita para o produtor, eleva o preço para o consumidor e afeta negativamente o meio ambiente pelo uso insustentável de recursos naturais, pela emissão de carbono e outros gases, pela degradação do solo.
MEDIDAS PRÁTICAS
“Agora que estamos tomando consciência disso”, afirma Freire Júnior. Entre as ações defendidas pelo pesquisador para mudar esse cenário estão: a universidade investir mais na extensão junto aos alunos, formando profissional para essa área nas teses e dissertações; as empresas privadas implantarem programas para redução de perda, com embalagens menores; o governo ajudar subsidiando políticas públicas, oferecendo maior assistência técnica e disponibilidade de crédito para infraestrutura. E a sociedade, diz, precisa comprar melhor, conservar bem, preparar de acordo com a quantidade que vai consumir para evitar jogar fora. Ter consciência para preservação.
FALTA REGULAMENTAR DOAÇÃO
E, apesar de se ter hoje uma rede de bancos de alimentos, falta ainda regulamentação que viabilize a doação de alimentos. Há uma lei parada no Congresso Nacional desde 1995 para regular o Banco de Alimentos, informa o pesquisador. “Hoje, quem doa alimento pode ser punido civil e criminalmente caso alguém que consuma passe mal, e isso inibe a doação. O responsável tem que pagar não só danos morais, como também as despesas médicas”, esclarece.