O alimento mofou! E agora?

Especialistas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz explicam as causas e consequências para a saúde do bolor.

O produto até está dentro do prazo de validade, mas embolorou. E agora? Nem todo bolor faz mal para a saúde, entretanto, a recomendação de especialistas é que, se esse ‘bolor’ não for resultado de um processo produtivo controlado, como o encontrado em alguns tipos de queijo maturado, salames ou mesmo leites fermentados, o melhor é não consumir. E, em muitos casos, como em um pacote de pão de forma fatiado, não basta descartar o que estiver embolorado, porque o microrganismo é invisível a olho nu e outras fatias podem estar contaminadas sem apresentar as características conhecidas visualmente; alguns bolores são capazes de crescer inclusive sob-refrigeração. Torrar ou aquecer o alimento também não soluciona o problema.

Para entender melhor o assunto, o MeuCardápio ouviu duas especialistas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP (Universidade de São Paulo): a engenheira agrônoma Dra. Maria Antonia Calori Domingues, pesquisadora do Laboratório de Micotoxinas e Micologia; e a médica veterinária Dra. Giovana Verginia Barancelli, docente, que atuam no Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição. Confira as explicações:

Por que o alimento mofa?

Os mofos também chamados de bolores são fungos filamentosos, um tipo de microrganismo que se desenvolve em matéria orgânica, decompondo-a. O que popularmente se chama de mofo é o micélio fúngico, uma estrutura que pode ficar visível a olho nu e é constituída de hifas (células cilíndricas microscópicas do microrganismo).

Bolores são provenientes de diversas fontes, como solo, ar, poeira e outras que podem contaminar alimentos em diversas etapas da cadeia de produção. Para crescer, precisam de nutrientes, água (umidade) e temperatura. Eles têm metabolismo predominantemente aeróbio, ou seja, necessitam de oxigênio, por isso são comumente vistos nas superfícies dos alimentos. Os alimentos em geral possuem os nutrientes necessários para multiplicação dos bolores, como carboidratos, proteínas, vitaminas e outros.

O alimento pode embolorar mesmo guardado na geladeira?

As faixas de temperatura para crescimento do modo são variáveis, de acordo com as espécies contaminantes. Muitos bolores têm temperatura ótima para multiplicação em torno de 25ºC, enquanto outros são capazes de crescer em temperaturas de refrigeração. Os bolores são mais tolerantes a condições como baixa umidade e acidez do que bactérias. Assim, em alimentos nos quais as bactérias não conseguem se multiplicar por apresentarem barreiras como alta acidez ou umidade insuficiente, os bolores prevalecem.

Exemplos desses alimentos, dependendo das condições de armazenamento, são grãos, castanhas, frutas secas, alguns queijos de média umidade e produtos cárneos curados. É importante considerar que para cada tipo de alimento existe um número limite de microrganismos aceitável para que não causem mal à saúde. Quando se compra um pão embalado, por exemplo, o produto não está estéril, isto é, totalmente livre de microrganismos.

É sempre um risco comer alimentos mofados?

Depende. Existem bolores considerados benéficos que são inclusive utilizados na produção de certos alimentos sob condições controladas, como alguns queijos maturados, salames e alguns produtos de soja fermentados. Por outro lado, alguns bolores podem produzir substâncias tóxicas denominadas micotoxinas. Assim, sempre que for observado crescimento indesejável de bolores contaminantes em alimentos, esses não devem ser ingeridos.

Exemplos de alimentos nos quais as micotoxinas podem ocorrer com maior frequência são grãos, como milho, trigo, amendoim e produtos derivados, como farinhas, farelos e rações animais. Algumas micotoxinas podem estar mais relacionadas a produtos específicos, é o caso da patulina, que pode ser encontrada em maçã e seus produtos. É importante considerar que, para que ocorra a produção de micotoxina, é necessário haver o crescimento de um bolor capaz de produzi-la.

Como evitar o bolor?

Uma das medidas para se evitar o crescimento de bolores em alimentos industrializados é a adição de aditivos. O ácido sórbico é, por exemplo, um aditivo utilizado em produtos de panificação para evitar o crescimento de bolores e leveduras. Justifica-se o uso de aditivos sempre que oferecer vantagens em termos de segurança ou de ordem tecnológica, a menos que essas possam ser alcançadas por processos de fabricação mais adequados. No entanto, existe um período em que esses aditivos são ativos. Ultrapassado o prazo de validade, os microrganismos se multiplicam.

Quais fatores propiciam o crescimento de bolores?

Além do tempo de armazenamento, fatores que podem afetar o crescimento de bolores são umidade e temperatura. É muito importante sempre respeitar o prazo de validade dos produtos alimentícios. No caso de um produto apresentar sinais de contaminação por mofo, mesmo dentro do prazo de validade, o produto não deve ser consumido.

Quais os riscos de ingerir alimentos mofados?

A grande preocupação atual relacionada a bolores em alimentos é com a produção ou presença de micotoxinas. Desde 2011, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabeleceu limites para cinco micotoxinas em alimentos para consumo humano. Dependendo do tipo, micotoxinas podem ter ação carcinogênica, hepatotóxica (fígado), nefrotóxica (rins), desreguladora endócrina (puberdade precoce) e podem inclusive afetar o sistema imunológico.

Outro problema que os bolores podem causar à saúde humana é o de alergias respiratórias ou cutâneas. Bolores também podem causar micoses, infecções causadas por fungos que atingem com frequência a pele, unhas e cabelos.

É possível reconhecer quando esse processo não representa risco para a saúde?

Quando um alimento é produzido com matérias-primas de boa qualidade, utilizando processos tecnológicos controlados, em condições adequadas, submetido à fiscalização e não sofre contaminações posteriores e crescimento microbiano indesejável, pode-se considerar o alimento seguro. Isso vale também para aqueles alimentos nos quais bolores são utilizados nos processos tecnológicos.

Descartar apenas a parte do alimento que apresenta bolor resolve o problema?

Essa é uma questão complexa porque nem sempre se consegue dimensionar o crescimento de bolores, além do que se visualiza. É importante lembrar que os bolores são células microscópicas e que pode haver crescimento além da parte visível (mofo). No caso de embalagem de pães que apresentam sinais de emboloramento, não se deve consumir as fatias que não apresentam sinais de fungos. Recomenda-se, nesse caso, comunicar o serviço de atendimento ao consumidor (SAC) da indústria processadora.

No caso da micotoxina patulina, por exemplo, que pode ocorrer em maçãs, a retirada da parte visivelmente deteriorada e as imediações reduzem a contaminação pela micotoxina.

Outro exemplo é o caso de grãos que apresentam sinais de mofo: consegue-se diminuir a contaminação por micotoxinas dentro de um lote com a retirada dos grãos embolorados, porém, ainda assim, grãos aparentemente sadios podem apresentar níveis de contaminação importantes. O consumidor precisa ter em mente que, mesmo retirando a parte visivelmente mofada, existe o risco da presença eventual de micotoxinas no restante do alimento.

Torrar o pão ou derreter o queijo pode eliminar o problema?

Os bolores são, em geral, sensíveis aos tratamentos térmicos, como pasteurização e processos de cozimento de alimentos. No entanto, as micotoxinas são altamente resistentes à maioria dos processos térmicos, inclusive de esterilização. Assim, se houver a presença de micotoxina no alimento, tratamentos como esses não garantirão a inocuidade com relação a esse aspecto. Ressalta-se que a refrigeração e o congelamento também não destroem micotoxinas presentes em alimentos. A refrigeração inibe ou retarda a velocidade de crescimento fúngico.

Pessoas mais sensíveis podem ser mais afetadas?

De um modo geral, crianças, idosos, imunossuprimidos e mulheres grávidas são mais suscetíveis a contaminantes presentes em alimentos. As legislações brasileira e européia, por exemplo, são mais rígidas quanto aos limites máximos de micotoxinas para alguns grupos de risco.

Uma preocupação recente e atual tem sido com a produção de aminas biogênicas em níveis prejudiciais em produtos fermentados em decorrência de crescimento de microrganismos. Produtos lácteos, como queijos maturados por bolores, têm sido pesquisados.

Aminas biogênicas são compostos tóxicos que podem ser produzidos por diversos microrganismos – bactérias, leveduras e bolores – como resultado do metabolismo de alguns aminoácidos, usualmente reações de descarboxilação. Entretanto, a produção desses compostos apenas é possível quando ocorrem algumas condições que dependem de vários fatores, como tratamento térmico do leite, uso de fermentos, concentração de sal, tempo e temperatura de maturação e pH.

Quais as consequências do consumo de altas quantidades de aminas biogênicas?

O consumo de alimentos ou bebidas com altas quantidades de aminas biogênicas poderia resultar em alguns problemas de saúde, como náuseas, vômito, diarréia, palpitação, dores de cabeça, hipo ou hipertensão arterial e, eventualmente, em casos extremos, choque anafilático.

Um trabalho conduzido na República Checa detectou níveis muito baixos de aminas biogências em queijos Camembert comerciais e os pesquisadores concluíram que as baixas quantidades detectadas não são tóxicas para a saúde humana e que queijos maturados por fungos não são perigosos com relação às aminas biogênicas.